Para ouvir alem da voz é preciso escutar com o coração....
Conhecer o que se passa no fundo da alma...
Ter percorrido os desertos sombrios de sentimentos sufocados,
reprimidos, jamais revelados...
É preciso ter conhecido o grito mudo que partiu da garganta
num som terrível transmitindo dor profunda...
É preciso ter sido pária, sem lugar algum onde reclinar a cabeça fervilhante,
a mente reflexionando imagens que
querem escapar das telas etéreas e se transformarem em letras,
e de letras em palavras incontidas, codificadas, transmissoras de sentidos
imperceptíveis aos que jamais sofreram a solidão do eu,
a incompreensão dos nós, o mutismo ao redor.
Para ouvir alem da voz é preciso ter sorvido até a ultima gota do cálice
amargoso da angustia....
é preciso ter se embebedado do vinagre do sentimento
captado além, mesquinho e alheio ao que se passa dentro de um peito que sofre as torturas terríveis
das dolorosas transformações....
É preciso ter sofrido as desilusões que a vida apronta,
e ter visto um a um, os sonhos desfeitos, em quimeras ilusórias.
É preciso ter descido aos infernos interiores ao encontro dos duendes da crueldade que
fustigam a alma todo o tempo com os tridentes pontiagudos das dores inexplicáveis, dos desalentos que só conhecem os que os vivem, enquanto o mundo ao redor
ainda sonha e se ilude no Mundo de Maya....
Para se ouvir além da voz é necessário ter arrancado do fundo de si,
a duras penas, os afetos mais sonhados, as idealizações mais desejadas,
é preciso ter conhecido os tormentos da solidão atroz
que acompanha os solitários, perdidos nas florestas densas dos próprios enigmas....
É preciso ter escutado o som do lamento saindo das profundezas de si mesmo,
esses que ninguém ouve....mas que solta urros de dor dentro de si
como se fora um animal agressivo, que grita ao mundo sua dor.....
esse eco que eclode enorme dentro do coração,
mas que não se alivia em lagrimas, nem em nada....
Para escutar além da voz é preciso ter passado pelos labirintos escuros
e lamacentos da Sorte,
ter cruzado pontes perigosas do Destino
e ter sofrido fome e sede de afeto não recebido,
por não se ter sabido aceita-lo....
Por se ter rejeitado e negado a si mesmo toda a possibilidade
de ouvir vozes amigas, de escutarapelos afetivos que são
como cordas que poderiam nos tirar das armadilhas colocadas
por nosso próprio Caçador interior .....
Para se ouvir além da voz é preciso ter se despido de muitas
dessas teias e amarras que nos prendem nos mundos fantásticos da inaceitação.
E só então, podemos com maior tranquilidade, pegar nosso cajado
e nosso cântaro de água,
e nos por a caminho, para oferecer água
aos sedentos da Estrada,
presos ainda nos Mundos de Maya, nos círculos das vidas de resgates....
Essas dores que conhecemos tão bem porque as vivemos dentro de nós
e que sentimos reflexionando dentro de nós, vinda de outros corações,
como nos chamando ao auxilio, à compreensão,
porque nos faz lembrar o quanto conhecemos de tudo isso....
E mesmo com o coração sufocado por não podermos ajudar
tanto quanto gostaríamos, podemos mesmo mudamente,
balbuciar a benção da prece e pedir às forças do Bem que olhem
por nossas fragilidades,
enquanto atravessamos as duras trilhas pedregosas do Caminho,
descobrindo em meio a pedras e lágrimas, o bálsamo em forma de perfume
da rara flor chamada Amizade.
Maria inês de Paula Bomfim
Texto- Para Ouvir além da voz
em
20-09-2005. -10:45
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